quarta-feira, 29 de maio de 2013

O Amante da Rainha (Em Kongelig Affaere)

Direção: Nicolaj Arcel
País: Dinamarca, Suécia, Republica Tcheca
Ano: 2012





Adaptado do livro de Bodil Steensen-Leth e baseado em fatos históricos da Dinamarca, “O Amante da Rainha” é um romance de época que põe em ênfase o Iluminismo e sua influência no país nórdico.


Em meados do século XVIII, quando o Iluminismo estava em ascensão por toda a Europa, o jovem rei da Dinamarca, Christian VII (Mikkel Boe Folsgaard) casa-se com sua prima Caroline Mathilde (Alicia Vikander). Christian tem tendências esquizofrênicas, sérias dificuldades de socializar-se e, acaba contratando o médico Johann Struensee (Mads Mikkelsen) para cuidá-lo. Johann torna-se uma espécie de conselheiro de Sua Majestade. O médico do Rei simpatiza com o Iluminismo, assim como Caroline, e não demora para que ambos se apaixonem e utilizem da confiança do Rei, para manipulá-lo e trazerem as ideias iluministas para a Dinamarca.

Em filmes épicos, é notável prevalecer diante de todo o contexto histórico da época, o romance proibido; e isso não muda em “O Amante da Rainha”, porém aqui, por muitos momentos, o previsível relacionamento platônico dá lugar para a ambientalização e a importância do Iluminismo em uma época tomada pela fé cega da religião e imposição da nobreza perante os camponeses. Vemos no médico Struensee, uma chama de esperança para popularização das ideias iluministas na sociedade. “Um homem nasce livre e em todo lugar encontra-se algemado.”; a frase de Rosseau é a chave da identificação do médico como interventor na política da Dinamarca da época.

Ao insistir em vacinar o filho do rei contra a varíola, Johann cita que a doença não é seletiva: “ataca tanto reis e rainhas, como camponeses”; neste momento temos nosso protagonista trazendo a visão do futuro para dentro da sociedade tomada pela sombra da religião. Em um próximo momento, um sacerdote levanta as mãos para o céu e agradece a Deus pela saúde do futuro herdeiro do trono, logo Struensee se impõe: “Deus não teve nada a ver com isso!”.

Com influência de seu médico, o rei Christian vai trazendo para a Dinamarca os ideais iluministas: proibição de tortura, universidade para todos, diminuição das horas de trabalho dos camponeses e abolição da censura. Em pouco tempo o Conselho que, perdendo poder, se volta contra o Rei e utiliza-se da imprensa livre para manipular a população e derrubar o médico de seu cargo, criando um escândalo diante do romance da rainha com Struensee.

Embora a estória se passe no século XVIII, fica explícita a comparação da corrupção e a manipulação midiática com os dias atuais, fazendo com que o romance de época torne-se um filme político. “O Amante da Rainha” coloca à tona os princípios do Iluminismo na atualidade, revelando que até hoje a sociedade reluta contra tais ideais de liberdade, igualdade e justiça.

Em cartaz nos cinemas!

Gustavo Halfen


quarta-feira, 22 de maio de 2013

Filhos da Esperança (Children of Men)


Direção: Afonso Cuarón
País: EUA, Reino Unido
Ano: 2006




Afonso Cuarón homenageia seus ídolos da cultura pop em um filme crítico e apocalíptico.


2027, a população humana está tomada por uma desesperança em sua existência. As mulheres não engravidam há mais de 18 anos, e a cada dia a humanidade caminha para sua extinção predestinada. Todo o globo está em guerra, na Inglaterra a xenofobia é cada vez mais agravante, tornando a polícia mais violenta e os ataques terroristas de ativistas mais extremos. Em meio a esta situação está Théo (Clive Owen), um ex-ativista político afastado há 20 anos; ele vive uma vida desacreditada nesse caos, até conhecer Kee (Clare-Hope Ashitey), uma imigrante que está milagrosamente grávida, e precisa fugir da polícia de migração e dos ativistas que querem usar sua criança como uma ferramenta de propaganda.

“Filhos da Esperança” chama atenção pela técnica, referências e pela crítica social, do que pela estória em si. O diretor mexicano já nos presenteia com um breve plano sequência na primeira cena do filme, que acaba se apagando um pouco devido a dois principais planos que vêm posteriormente: dentro de um carro, cinco personagens interagem entre si, filmados por uma câmera que se movimenta facilmente como uma mosca pelo espaço interno do automóvel, ali temos um ataque terrorista ao carro, tiros, sangue e bombas são jogadas contra os personagens enclausurados na frágil viatura; o outro plano, em um cenário de guerra e tiroteios, aproximando o espectador da realidade, seguimos o protagonista Théo se escondendo nos escombros dos prédios tentando encontrar Kee. A cena é longa e a câmera vai ficando cada vez mais suja de poeira, terra e sangue.

O cenário pavoroso que o longa nos insere, se contradiz com nosso protagonista que está acostumado e acomodado com a destruição do planeta, a explicação para tal comportamento vem à tona posteriormente. A justificativa do ambiente assustador que vive a humanidade, além da falta de crianças, é feita pela referência da capa do disco Animals do grupo Pink Floyd; na mansão do primo de Théo, homem influente e curador de obras de arte da humanidade, um balão em formato de porco, idêntico ao da capa da banda britânica, sobrevoa as chaminés. Baseado no livro A Revolução dos Bichos de George Orwell, o disco cita a polícia, os políticos e a população cada um com características de determinado animal, revelando um retrato da ambição humana e o ciclo negro e corrompido que o homem vem passando perante a estória da sociedade. Curiosamente o porco voador está do lado oposto da pintura Guernica, a qual Pablo Picasso retrata pessoas, animais e edifícios apavorados pelo intenso bombardeio da força alemã em Guernica, na Segunda Guerra Mundial. Ou seja, a arte do passado representando o futuro.


Além da música e da pintura, Cidadão Kane também é homenageado. Em certa cena Théo e a possível parteira de Kee, a observam brincando em um balanço do lado de fora, através de uma janela, enquanto discutem o futuro da moça e do bebê em seu ventre. Kee parece tranqüila e disposta a permanecer onde está; a cena lembra quando Cidadão Kane brinca na neve com seu trenó Rosebud, o momento de sua maior felicidade, enquanto seus pais o observam pela janela e decidem seu destino.

Em um futuro onde todos aguardam um milagroso nascimento, Cuarón não podia deixar de fora as passagens bíblicas. A anunciação para o espectador, do primeiro bebê em 18 anos, é feita em um estábulo, rodeado de palha e vacas. O personagem principal é transformado em nosso Messias, nota-se que todos os animais de estimação se apegam a ele, como um amigo da natureza ou do bem. Sem esperança Théo e Kee procuram um navio chamado Amanhã, uma espécie de Arca de Noé que os levará para uma ilha onde existe o Projeto Humano, uma espécie de terra sagrada, onde existe a possibilidade do pródigo bebê crescer em paz.

“Filhos da Esperança” é uma obra pessoal e bastante técnica que se sobressai perante uma estória previsível e pouco original. Mas possui seu mérito pela forma como foi abordada, aproximando o expectador do ambiente apocalíptico seja pela música, pela pintura, pela história do cinema ou pela cultura cristã.

Gustavo Halfen

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Cores


Direção: Francisco Garcia
País: Brasil
Ano: 2013





Em seu primeiro longa metragem, o diretor Francisco Garcia homenageia as gerações nascidas nos anos 1980; jovens que acompanharam a chegada da globalização e da internet em suas vidas, porém não abandonaram a televisão. Embora exista a facilidade de acesso às diversas atividades, o comodismo se sobressai nesta geração, que não quer se assumir como deprimida, afogando suas angústias em uma lata de Coca Cola. “Cores” não os retrata na forma de uma crítica social, mas sim em uma compilação poética e bela.

Luca (Pedro di Pietro), Luiz (Acauã Sol) e Luara (Simone Iliesco) são amigos, talvez não pela afinidade de gostos, mas por um comodismo em comum. Luca, mora com a avó e tem um estúdio de tatuagem pouco ativo. Luiz trabalha em uma farmácia, entretanto sobrevive com a venda ilegal de “tarjas pretas”. Luara é vendedora em uma loja de aquários, tem uma imensa vontade de viajar, mas imersa em seu aquário mundo, todos giram, ela não.


Referenciando a obra cinematográfica de Jim Jarmusch, o principal elemento de “Cores” é o tédio; como pano de fundo temos a cinzenta São Paulo, aviões decolam e pousam na capital, entretanto a vida do trio, retratada metaforicamente na forma da tartaruga de estimação de Luca, é devagar e preguiçosa. A câmera de Garcia segue a mesma preguiça, grande parte do filme ela fica estática, fotografando belos planos em PB, recheados de cultura pop nas entrelinhas, num excelente trabalho do diretor de fotografia Alziro Barbosa. 


Frequentemente o cinema nacional enfatiza o submundo de forma crua e suja, em tons sombrios, “Cores” vêm na contramão desta tendência. O cuidado com a fotografia embeleza a decadência, além de poetizá-la, dando a sensação não de um julgamento, mas sim de uma homenagem à geração que nasceu no pós punk brasileiro e ao tédio neo existencialista que se apossa da juventude.

Gustavo Halfen




segunda-feira, 6 de maio de 2013

Soldados Jeannette (Soldate Jeannette)



Especial: Competição oficial do 
3º Festival Internacional de Balneário Camboriú



Soldados Jeannette (Soldate Jeannette)
Direção: Daniel Hoesl
País: Áustria
Ano: 2013






Eleito o melhor filme do 3º Festival Internacional de Cinema de Balneário Camboriú (CineramaBC), o filme austríaco Soldados Jeannette traz cenas de contemplação fotográfica através da companhia da anti heroína e intocável Fanni.

Fanni é uma mulher intangível que passa seu tempo gastando o dinheiro de uma herança familiar em roupas e aulas de karatê. Dotada de muita fineza e educação, Fanni é solitária, mas parece não se importa com isso. Depois de três anos sem pagar o aluguel e vários avisos “amigáveis” de despejo, as fechaduras do seu apartamento foram trocadas; automaticamente e sem muita preocupação, Fanni dá meia volta e parte para um novo destino: queima todo seu dinheiro e inicia uma caminhada em direção a floresta.



A música eletrônica, o excesso de cores e as lojas da cidade grande preparam o espectador para uma narrativa metropolitana sobre uma mulher que pouco liga para as leis do sistema. Procurada pela polícia, nossa protagonista vai para o campo e, de supetão nos deparamos com a morte de um boi e o seu sangue espirrando na tela. A partir daí, toda a linguagem da obra sofre mudança, e o espectador de sente perdido, tornando-se ativo na estória. Com uma estética agora mais documentada, temos Fanni alimentando porcos e varrendo esterco, a trilha abandona o eletrônico pelo folk, e as cores rosa e vermelho, agora são verde e amarelo acinzentados. A anti heroína continua gélida, mas parece ter passado por um processo de transformação; sua rápida adaptação à nova vida, não necessariamente surpreende, pois tudo e nada é possível em Soldados Jeannette. As vidas no campo e na cidade estão interligadas, porém parece não existir nenhuma relação entre elas e nada atinge Fanni. 



Como um soldado ou um camaleão, a personagem se adapta aos ambientes como se nunca os tivesse abandonado e ao sentir-se ameaçada, ela avidamente junta seus poucos pertences e parte para um novo recomeço.

  
Gustavo Halfen


sexta-feira, 3 de maio de 2013

O que traz boas novas (Monsieur Lazhar)


Especial: Competição Oficial do 
3º Festival Internacional de Cinema de Balneário Camboriú



Direção: Philippe Falardeau
País: Canadá
Ano: 2011



 Nunca o tema “escola” foi tão retratado no cinema como nesta última década. Uma temática pouco abordada até os anos 1970 tornou-se mais chamativa em 1982 no musical Pink Floyd The Wall (Alan Parker), e em 1989 no drama “Sociedade dos Poetas Mortos” (Peter Weir). Nos últimos anos com os atentados às escolas nos EUA, a pedofilia e o surgimento do termo bullying, este assunto está em alta e a sétima arte o tem retratado de forma séria e bela; Elefante (Gus Van Sant) em 2003, Entre os Muros da Escola (Laurent Catent) e A Onda (Dennis Gansel) em 2008, e em 2012 “O que traz boas novas”. O longa canadense de Philippe Falardeau exprime como a “morte” é encarada pelas crianças e seus professores nas escolas.

Na trama, Sr Lazhar (Mohamed Fellag) é um argelino que pediu exílio político depois do assassinato de sua família. Assim, foi morar no Canadá disfarçando-se de professor do ensino fundamental que, além de estar atrasado em relação às novas normas e políticas de licenciatura, tem que encarar o fato de estar substituindo uma professora querida entre os alunos que se suicidou na própria sala de aula.


Na busca por superar o trauma de seu passado, Lazhar se identifica com seus alunos, que encaram, cada um de sua forma, o suicídio da professora. O aluno Simón usa a agressividade contra seus colegas na fuga pela culpa que sente pelo acontecimento dramático na escola; ao ter acusado a falecida professora de assédio, quando recebeu um abraço de conforto. Assim, a polêmica entre morte, suicídio, assédio e bullying se entrecruzam na trama.


O professor Lazhar, junto com sua aluna Alice não tem medo de encarar ou expressar seus sentimentos em relação à tragédia. Sua relação com os alunos vai além de ensinar, ele instiga e desperta a capacidade de seus aprendizes; diferente dos outros professores e a coordenadora, que o acusa de desordeiro e provocador.

A sutileza da forma que os assuntos pesados são abordados no longa, tornam o filme leve, e associado às ótimas interpretações, iluminação delicada e a trilha sonora, tornam “O  que traz boas novas” um espetáculo a parte.

Gustavo Halfen

Em Segundo (Las Segundas)


Especial: Competição Oficial do 
3º Festival Internacional de Cinema de Balneário Camboriú




Direção: Rosario Cervio
País: Argentina
Ano: 2012





Em seu terceiro curta metragem, o jovem de 27 anos Rosário Cervio nos traz uma profunda reflexão sobre o papel da mulher da sociedade. Em uma floresta ainda pouco desbravada, mulheres com vestimentas mais antigas, observam e refletem sobre o mundo ao seu redor. Enquanto discursos são feitos por diferentes pessoas sobre a personificação feminina no mundo. “(...) As mulheres sempre foram as sombras dos homens (...), Sempre foram descritas como secundárias. (...) A condição da mulher é fabricada na sociedade, servindo seus homens, servindo seus filhos. Não se nasce mulher, torna-se.”


As frases de impacto são ditas rapidamente e, temos também um cavalo preso em uma árvore, servindo de metáfora de tamanha força e poder que as mulheres tem em mãos, mas ainda permanecem de certa forma atadas.

Gustavo Halfen

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Feito na China (Hecho en China)


Especial: Competição Oficial do 3º Festival Internacional de Cinema de 
                              Balneário Camboriú



Direção: Gabriel Guzmán
País: México
Ano: 2012




Em seu primeiro longa metragem, Gabriel Guzmán nos traz o comodismo e a conformação como chaves para uma comédia gostosa no estilo road movie e, com breves homenagens ao clássico “O Fabuloso Destino de Amelie Poulain”.

Hecho en China conta a estória de Marcos Márquez (Odiseo Bichir), dono de um restaurante chinês herdado de seus pais na cidade de Tijuana, México. Ao completar meio século de idade, Marcos recebe um convite de sua ex namorada Clara, que irá se casar na cidade de Monterrey. Estagnado e em crise, nosso protagonista percebe que entrou em estado de inércia, e seus sonhos de se tornar escritor e casar com Clara ficaram para trás. Impulsionado pelo cozinheiro de seu restaurante, ele decide pegar a estrada imediatamente para interromper o casamento. Porém, acidentalmente acaba levando consigo seu funcionário Fernando.


A trajetória do personagem principal até o momento do início da trama é contada por um narrador, mostrando filmagens antigas de cenas cômicas, mas ao mesmo tempo trágicas sobre a vida de Marcos, referenciando o clássico moderno “Amelie Poulain”. Como todo bom road movie, a estrada nos traz ensinamentos em cada curva, e a companhia do jovem e impulsivo Fernando, leva Marcos a meditar sobre sua vida, o levando a viver cada segundo intensivamente durante sua “peregrinação”. Os resultados são socos na cara, tatuagens no peito, bebedeiras e acidentes, além do engrandecimento da amizade entre os dois personagens e a mudança de valores do nosso protagonista. O longa lembra também a comédia argentina “Um Conto Chinês” (2011), que coincidentemente possuem temáticas semelhantes e a “China” no título, pois nem tudo que é feito na China é de má qualidade, seus contos de amizade e superação vão além de simples “finais felizes”; nos trazem ensinamentos para uma vida toda.


Gustavo Halfen

Komba

Especial: Competição Oficial do 3º Festival Internacional de Cinema de Balneário Camboriú


Direção: Tin Zanic
País: Croácia
Ano: 2011




Participando da Competição Oficial de Curtas Metragens do 3º Festival Internacional de Cinema  de Balneário Camboriú, o curta croata Komba nos traz em seus 14 minutos a tensão de jovens à procura de maconha em plena luz do dia em uma cidade grande.

Miha, um jovem de vida desregrada, recebe a visita de seu suposto amigo Edo; este, está à procura de um baseado, e convence Miha a irem em busca da droga. Porém, ambos os jovens possuem personalidades fortes e acabam entrando em conflito.



O curta tem a característica do cinema underground europeu, bastante câmera na mão e em movimento, fazendo com que o espectador se sinta um coadjuvante na busca pela “mercadoria”. A tensão do dia a dia em sua breve imersão no submundo das drogas, nos lembra a trilogia Pusher de Nicolas Refn (Drive, 2011), onde o comportamento impulsivo dos jovens acaba por acarretar conseqüências que os acompanharão por um bom tempo em suas vidas. O filme nos traz esta reflexão à tona, onde traição e egoísmo complementam sua temática , e deixa em aberto o destino de tais personagens.


Gustavo Halfen