sábado, 15 de junho de 2013

Boa sorte, meu amor

Especial: Competição Internacional de longa metragem do
Festival Olhar de Cinema de Curitiba


Direção: Daniel Aragão
País: Brasil
Ano:2012



Não é coincidência que “Boa sorte, meu amor” tenha passado em sua segunda sessão no Festival Internacional de Curitiba; cidade fria e solitária, exatamente no dia 12 de junho, dia dos namorados. Classificado pelo diretor como um “anti romance” autobiográfico, “Boa sorte...” retrata um improvável romance buscado pelo protagonista Dirceu, como desculpa para uma busca de autoconhecimento, revelando uma breve história dos moradores de Recife e sua relação com o passado latifundiário no sertão nordestino.

Dirceu, descendente de uma família latifundiária do sertão, tem uma vida estável na capital pernambucana, até conhecer Maria, uma artista questionadora de sua realidade atual. A diferença entre os dois fará Dirceu perseguir novos horizontes em uma saga por um sertão surreal e onírico, onde a realidade e a ficção se confundem.

Em seu primeiro longa metragem, Daniel Aragão homenageia seu leque de referências, em um filme fetichioso, dando ao espectador um deleite aos olhos apurados, e ao mesmo tempo instigando os ouvidos em uma trilha sonora que caminha entre o blues e o clássico, com sinfonias de metais com acordes dissonantes e duvidosos; além de possuir um som diegético peculiar: as falas possuem um volume pouco intenso, se contrapondo com a trilha, que é extremamente alta.


As referências de cinema e música chegam a ser exageradas; temos a vida noturna dos anos 1960: seios expostos e lábios carnudos em closes fetichistas, misturados a chicotes e zooms rápidos lembrando clássicos de faroeste. Experimentamos a sensação de um preto e branco bastante contrastante, como nos filmes de Fellini, a luz expressionista dá uma qualidade irracional e onírica; meninos mergulham em um rio aparentemente sem sentido, o silêncio em algumas cenas parecem desconstruir a narrativa, confundindo o espectador, lembrando até mesmo os filmes surrealistas de Buñuel.

Gustavo Halfen

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Menino do Cinco / Filme Para Poeta Cego

Especial: Competição Internacional de Curta metragem do
Festival Olhar de Cinema de Curitiba


Os curtas brasileiros estão em destaque no Festival Internacional de Cinema de Curitiba. “Menino do Cinco” e “Filme Para Poeta Cego” criaram uma sensação de desconforto na última sessão de curtas desta terça feira (11 de junho) do evento.


Menino do Cinco
Direção: Marcelo Matos de Oliveira, Wallace Nogueira
País: Brasil
Ano: 2012



“Menino do Cinco”, curta de Marcelo Matos de Oliveira e Wallace Nogueira, inicia-se como uma jornada infantil de um menino e seu animal de estimação. Mas logo percebemos uma análise comparativa entre crianças de vivem nas ruas, acostumadas com a interação das grandes metrópoles, e meninos que moram em seus apartamentos de classe média alta, nas grandes cidades; mais precisamente, como um dos diretores citou em entrevista: “meninos de rua e meninos sem rua”. A possessão por objetos materiais e acondicionamento da solidão para aqueles que vivem trancafiados, destaca-se no filme, que embora tenha cenas que seriam de apelo àqueles que gostam de crianças e filhotes de cães, aqui, a possibilidade de surpreender-se com um trágico acontecimento de um dos supostos vilões da jornada infantil, que não cabe aqui, caro leitor, revelar seu desfecho final, traz uma reflexão do comportamento das diferentes classes sociais neste Brasil continental.


Filme Para Poeta Cego
Direção: Gustavo Vinagre
País: Brasil
Ano: 2012




Talvez o filme mais ousado do festival, “Filme Para Poeta Cego”, causou constrangimento na sala de cinema do Shopping Crystal em Curitiba. Baseado na obra artística do poeta cego, sadomasoquista e pedólatra Glauco Mattoso, o diretor Gustavo Vinagre cria uma obra que, como seu sobrenome, pode soar azeda para a maioria das pessoas. Na trama temos um falso documentário, onde Glauco contrata um ator para satisfazer seus fetiches. Deglutir fezes, lamber solas de sapato e se queimar com cera de vela quente, são alguns dos prazeres tortuosos os quais nosso triste ator implora para acabar. Na sala de cinema escutava-se risadas macabras e forçadas, além de gemidos e movimentos dos espectadores, que não conseguiam encaixar uma posição confortável nas poltronas do cinema. Não que as cadeiras do Cinema Itaú sejam desconfortáveis, nem que o curta metragem tenha cenas explícitas; a sacada de Gustavo Vinagre foi apenas sugerir tais acontecimentos na tela, deixando livre a interpretação do público que, sem exceções, mostrou-se de mente suja e perversa, dando orgulho ao meu chará, diretor de sobrenome de tempero forte. “Filme Para Poeta Cego” é atrevido e audacioso, quebra paradigmas e conceitos sociais, sem julgar. Caminha na contramão da maioria dos filmes do festival que, sem medo de ser vaiado, dá um tapa na cara da sociedade. E, não poderia ser diferente, pois a poesia de Mattoso cita: “Não creia em tudo aquilo que está lendo, Duvide até da própria assinatura (...) Se ser um masoquista é que ele jura, No máximo masturba-se escrevendo (...)”. 

Gustavo Halfen

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Matéria de Composição

Especial: Competição "Olhares Brasil" de longa metragem do
Festival Olhar de Cinema de Curitiba


Direção: Pedro Aspahan
País: Brasil
Ano: 2013




O processo de composição de uma trilha sonora experimental, visando a música erudita como meio (ou limite) para tal, através de um filme pronto, não é fácil. A proposta de Pedro Aspahan foi gravar um vídeo de aproximadamente oito minutos, filmando a desconstrução de casas,  retirada de portas e janelas e, assim entregar o curta metragem editado para três diferentes compositores, acompanhando o processo de criação, ensaio, gravação e edição da trilha para o produto final.

Matéria de Composição retrata com uma seriedade exacerbada as diferentes formas de criação e interpretação de distintos inventivos compositores de música erudita. Parece-me que a ideia do longa mineiro foi passar a sensação de quão trabalhoso é o processo de interpretação até a gravação final da trilha, passando para o espectador as diferentes viagens sensoriais de uma mesma imagem na tela. O erro do diretor foi tentar uma maior aproximação a um público leigo em relação à música erudita. O longa tornou-se tedioso com closes, enquadramentos e travellings desnecessários, trazendo uma sensação desgastante a quem o assiste. A defesa de usar somente música contemporânea na trilha, deixou-me a impressão limitante em relação ao processo de composição, que poderia ter misturado um leque mais amplo de estilos musicais, aproximando o público, não só como forma de educação, mas também como entretenimento cinematográfico.

Gustavo Halfen

Posas (Shackled)

Especial: Competição oficial de longa metragem do
Festival Olhar de Cinema de Curitiba

Direção: Lawrence Fajardo
Ano: 2012
País: Filipinas




A trilogia dinamarquesa Pusher, é um marco em longas metragens que retratam o submundo das drogas nas grandes cidades; o contraste exacerbado, ambientes escuros e claustrofóbicos, vermelho constante, câmera na mão seguindo os personagens, fez deste, uma referência em filmes do gênero. Em Posas, Jess, um jovem de 20 e poucos anos, vive de pequenos furtos, para sustentar sua mãe e irmã, nas movimentadas ruas de camelôs na cidade de Manila, nas Filipinas. Ao roubar o celular de uma jovem da alta elite, Jess é preso pela polícia, e acaba por conhecer o que há por trás de todo o sistema daqueles que vestem a farda da polícia.

Toda a sensação de claustrofobia citada acima é percebida em Posas, que ao início mostra o carro da polícia com a frase: “Servir e Proteger”, nos dando a ideia da proposta do longa filipino, trazendo a reação em cadeia do corrompimento do sistema de segurança das grandes cidades.

Desde que o ser humano vive em sociedade, foi criada uma classe de pessoas treinadas para manter a ordem e proteger àqueles que vivem e contribuem com a comunidade. Na época do feudalismo, na sociedade pós revolução industrial, pós revolução francesa, e hoje em dia, a polícia têm esse dever. E não é novidade que o abuso de poder retratado em diversos longas metragens (Crash – No Limite, O Lugar Onde Tudo Termina, Tropa de Elite, etc), esteja hoje mais presente do que nunca. Porém aqui acompanhamos um dia na vida dos policiais de Manila, através dos olhos do infeliz ladrão Jess. A injustiça reproduzida aqui é angustiante e o preço a pagar pelo roubo de um celular, além de mudar totalmente sua vida, o torna dependente tanto da cadeia de crimes, como da polícia corrupta.

Tendo uma proposta interessante e uma linguagem bastante subjetiva, Posas erra em um pequeno detalhe, mas que compromete todo o longa metragem: o diretor filipino acaba subestimando o telespectador, desprezando o uso da inteligência daqueles que assistem sua obra.


Gustavo Halfen

segunda-feira, 10 de junho de 2013

El Bella Vista

Especial: Competição Oficial do Prêmio "Novos Olhares" 
2º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba



Direção: Alicia Cano Menoni
País: Uruguai, Alemanha
Ano: 2012





El Bella Vista é um filme difícil de definir o gênero, sendo um longa dentro de outro, "El Bella..." é um documentário ficcional de um acontecimento verídico. E o pior (ou melhor): os personagens foram interpretados pelos próprios protagonistas da história real.

El Bella Vista foi sede de um clube de futebol homônimo, na pequena vila de Durazno, no Uruguai; com a extinção do time, o prédio foi vendido, e lá, fez-se um prostíbulo de travestis, bastante frequentado pelos habitantes da cidade. Após alguns anos de sucesso, a casa noturna foi fechada pelo presidente do extinto clube, que não admitia tamanho paganismo na sua antiga sede futebolística. Logo, de um bordel, a casa tornou-se um centro de catequese de crianças.

Com um roteiro inteligente, El Bella... vai nos apresentando a história em forma de belas fotografias, onde as cores se derretem criando uma diferente textura e aguçando os sentidos do espectador, com um cuidado especial que nos dá vontade de pausar o filme e imprimir as imagens. A preocupação com a iluminação do longa, nos fascina: idosos possuem brilho nos olhos e marcas de experiência nos rostos, e travestis são iluminados por luzes neón.

O documentário sobre o prédio acaba tornando-se um centro de reflexão sobre a sociedade atual no mundo. Futebol, religião, prostituição, homossexualidade, estão intimamente ligados por um ambiente que os abrigou carinhosamente e fez-se deles sucesso, cada um em seu tempo.

O mosaico da sociedade contemporânea no interior, é documentado explorando a questão do preconceito, mas também enfatiza o amor e a necessidade que todos temos de amar e ser amado.

O longa conta com depoimentos dos personagens protagonistas, e adapta à uma ficção. Em cenas vividas pelos personagens, a diretora uruguaia, Alicia Cano Menoni, referencia o clássico da Novelle Vague, Pierrot Le Fou (1965), com rompimento da narrativa, nos lembrando que mesmo sendo um ficção, a realidade é onipresente.

Tudo se interliga dramática e compassadamente em El Bella Vista, em uma mistura de ficção e documentário, fotografia e pintura, atuação e vivência.

Curiosidade: O personagem Frederico não foi encontrado para participar do longa. Portanto somente este, foi protagonizado por um ator.

Gustavo Halfen

quinta-feira, 6 de junho de 2013

O lugar onde tudo termina (The place beyond the piles)

Direção: Derek Cianfrance
Ano: 2012
País: EUA




Seria muito difícil analisar este filme sem liberar alguns spoilers. A obra de Derek Cianfrance é dividida de certa forma em capítulos, tendo algumas reviravoltas. O que me levou a necessidade de citar algumas cenas que podem prejudicar o desenvolvimento do filme, se este texto for lido antes de se ver o filme. Portanto, para um leitor e espectador mais atento, sugiro que leia esta crítica após a sessão de cinema.

I
Ao início temos o corpo malhado e tatuado de Luke (Ryan Gosling) brincando agilmente com um canivete, e como um ser onipotente ele veste sua jaqueta e sai de uma espécie de camarim, se deparando com um público ávido por sua presença que, os desperta aplausos. A câmera o segue pelas suas costas, até ele subir em uma moto e mostrar sua coragem no famoso Globo da Morte de um circo da cidade. Luke é um tigre, com seu corpo tatuado ele demonstra coragem e liberdade em seu olhar.

Após seu show, Luke se encontra por acaso com Romina (Eva Mendes), uma mulher a qual teve um breve caso em um passado não tão distante, e descobre ter um filho com ela. O motoqueiro abandona a vida no Globo da Morte e decide ter um trabalho em que consiga dar condições para que seu filho cresça em um ambiente tranqüilo; “Eu tive um pai ausente e olha o que eu me tornei, não quero que com ele seja assim.” Luke demonstra uma preocupação sincera em relação ao fato de ser pai, mas seu novo trabalho na oficina mecânica de seu amigo Jack (Bem Mendelsohn) não lhe dá condições mínimas para pagar suas próprias contas, e ele decide utilizar sua habilidade de piloto de moto para assaltar pequenos bancos. Com dinheiro na mão a vida melhora, mas sua sede por poder aumenta, e logo ele é morto em uma tentativa de assalto.

Mesmo Luke sendo um bandido, sua sinceridade por dar uma vida tranqüila ao seu filho, torna-nos cúmplice de seus atos criminosos; filmados em plano sequência, além de nos dar a sensação de estarmos no mesmo ambiente do crime, torcemos para que nada de errado aconteça. Quando ele é assassinado pelo policial Avery (Bradley Cooper) na primeira hora do filme, assim como em Psicose (onde Hitchcock mata sua protagonista logo de início), aqui o espectador também se vê perdido, sem ter um personagem para seguir pelo resto da trama.


II
O policial Avery também se vê ferido no acontecimento que levou a morte de Luke, e quando acorda no hospital, é saudado como herói, o qual bravamente matou um delinquente que vivia à beira da sociedade. Porém, a consciência deste “herói (“anti-herói” para nós: espectadores onipresentes), está bastante abalada; primeiro por matar o criminoso sem motivo aparente, e segundo porque descobre que Luke, assim como ele, também tem um filho de colo e, que este crescerá sem conhecer seu verdadeiro pai. A situação se agrava quando descobre seus companheiros de trabalho fazendo parte de uma rede de corrupção que alimenta o crime o qual Avery quase perdeu a vida tentando combater.

É interessante perceber que quando víamos Luke roubando para satisfazer suas necessidades como pai, não sentíamos tamanho remorso que agora nos toma conta ao ver tais policiais abusando do poder para satisfazer seus egos e desejos de ambição. Avery, tomado pela necessidade de limpar sua consciência, decide declarar guerra contra a corrupção da polícia local, tornando-se assim, membro do ministério público do estado de Nova York.

Neste segundo ato, temos um novo protagonista: o policial Avery. Uma nova temática é abordada: a corrupção no meio policial e político; como no segundo Tropa de Elite (José Padilha), onde vemos a criminalidade a partir de um outro olhar em relação ao primeiro filme; uma visão mais ampla, justificando a cascata de crimes até chegar na periferia da sociedade.

III
Passam-se quinze anos, e por uma coincidência do destino, o filho de Avery, AJ, torna-se amigo do filho do falecido Luke, Jason. Ambos não sabem de suas relações do passado; eles estão mais preocupados em ficarem chapados com quaisquer drogas que apareçam na frente, como uma espécie de fuga por sentirem seus pais ausentes de suas vidas, um devido ao trabalho, o outro devido à morte. Os dois jovens se entendem bem, e o longa poderia ter acabado por aqui de forma excelente, mostrando que apesar de toda a luta por um ideal de sociedade, Avery não consegue nem proteger seu próprio filho do submundo das drogas; porém o diretor Cianfrance tem outros planos para o futuro deste dois descomprometidos amigos.

Se em “Namorados Para Sempre” Derek Cianfrande brinca com o universo atemporal, indo e vindo na estória, aqui o diretor demonstra total controle do tempo, que agora é linear, apresentando continuidade através das conseqüências dos atos de um passado que foi densamente evidenciado no primeiro ato.

Com o tempo Jason passa a questionar sua mãe sobre o paradeiro de seu pai, e nós, espectadores, torcemos para que ele saiba que seu pai morreu tentando lhe dar uma vida melhor, mesmo que de forma criminosa (o longa não julga os atos que Luke utilizou para tentar sustentar seu filho). Logo a verdade vem à tona, e não demora para que o conflito do passado coloque na encruzilhada tanto AJ e Jason, como Avery.

Neste terceiro ato, a trama passa a dar ênfase ao drama adolescente, além de revelar o “efeito borboleta”: fatos do passado que repercutem no futuro. Jason passa a ser o protagonista da estória, o espectador se identifica com ele, torcendo para que descubra dentro de si o espírito de liberdade e coragem presente em seu pai.

Cianfrance cria uma rede de intrigas ligadas por acontecimentos em diferentes tempos e personagens; são três contos com protagonistas distintos, que se ligam de forma harmônica em uma estória contínua e bela, onde se questiona e analisa, de forma não julgadora, o crime marginal, a corrupção policial e as consequências de atos que irão repercutir em um futuro inesperado.

Estreia dia 7 de junho nos cinemas!
Gustavo Halfen

quarta-feira, 29 de maio de 2013

O Amante da Rainha (Em Kongelig Affaere)

Direção: Nicolaj Arcel
País: Dinamarca, Suécia, Republica Tcheca
Ano: 2012





Adaptado do livro de Bodil Steensen-Leth e baseado em fatos históricos da Dinamarca, “O Amante da Rainha” é um romance de época que põe em ênfase o Iluminismo e sua influência no país nórdico.


Em meados do século XVIII, quando o Iluminismo estava em ascensão por toda a Europa, o jovem rei da Dinamarca, Christian VII (Mikkel Boe Folsgaard) casa-se com sua prima Caroline Mathilde (Alicia Vikander). Christian tem tendências esquizofrênicas, sérias dificuldades de socializar-se e, acaba contratando o médico Johann Struensee (Mads Mikkelsen) para cuidá-lo. Johann torna-se uma espécie de conselheiro de Sua Majestade. O médico do Rei simpatiza com o Iluminismo, assim como Caroline, e não demora para que ambos se apaixonem e utilizem da confiança do Rei, para manipulá-lo e trazerem as ideias iluministas para a Dinamarca.

Em filmes épicos, é notável prevalecer diante de todo o contexto histórico da época, o romance proibido; e isso não muda em “O Amante da Rainha”, porém aqui, por muitos momentos, o previsível relacionamento platônico dá lugar para a ambientalização e a importância do Iluminismo em uma época tomada pela fé cega da religião e imposição da nobreza perante os camponeses. Vemos no médico Struensee, uma chama de esperança para popularização das ideias iluministas na sociedade. “Um homem nasce livre e em todo lugar encontra-se algemado.”; a frase de Rosseau é a chave da identificação do médico como interventor na política da Dinamarca da época.

Ao insistir em vacinar o filho do rei contra a varíola, Johann cita que a doença não é seletiva: “ataca tanto reis e rainhas, como camponeses”; neste momento temos nosso protagonista trazendo a visão do futuro para dentro da sociedade tomada pela sombra da religião. Em um próximo momento, um sacerdote levanta as mãos para o céu e agradece a Deus pela saúde do futuro herdeiro do trono, logo Struensee se impõe: “Deus não teve nada a ver com isso!”.

Com influência de seu médico, o rei Christian vai trazendo para a Dinamarca os ideais iluministas: proibição de tortura, universidade para todos, diminuição das horas de trabalho dos camponeses e abolição da censura. Em pouco tempo o Conselho que, perdendo poder, se volta contra o Rei e utiliza-se da imprensa livre para manipular a população e derrubar o médico de seu cargo, criando um escândalo diante do romance da rainha com Struensee.

Embora a estória se passe no século XVIII, fica explícita a comparação da corrupção e a manipulação midiática com os dias atuais, fazendo com que o romance de época torne-se um filme político. “O Amante da Rainha” coloca à tona os princípios do Iluminismo na atualidade, revelando que até hoje a sociedade reluta contra tais ideais de liberdade, igualdade e justiça.

Em cartaz nos cinemas!

Gustavo Halfen


quarta-feira, 22 de maio de 2013

Filhos da Esperança (Children of Men)


Direção: Afonso Cuarón
País: EUA, Reino Unido
Ano: 2006




Afonso Cuarón homenageia seus ídolos da cultura pop em um filme crítico e apocalíptico.


2027, a população humana está tomada por uma desesperança em sua existência. As mulheres não engravidam há mais de 18 anos, e a cada dia a humanidade caminha para sua extinção predestinada. Todo o globo está em guerra, na Inglaterra a xenofobia é cada vez mais agravante, tornando a polícia mais violenta e os ataques terroristas de ativistas mais extremos. Em meio a esta situação está Théo (Clive Owen), um ex-ativista político afastado há 20 anos; ele vive uma vida desacreditada nesse caos, até conhecer Kee (Clare-Hope Ashitey), uma imigrante que está milagrosamente grávida, e precisa fugir da polícia de migração e dos ativistas que querem usar sua criança como uma ferramenta de propaganda.

“Filhos da Esperança” chama atenção pela técnica, referências e pela crítica social, do que pela estória em si. O diretor mexicano já nos presenteia com um breve plano sequência na primeira cena do filme, que acaba se apagando um pouco devido a dois principais planos que vêm posteriormente: dentro de um carro, cinco personagens interagem entre si, filmados por uma câmera que se movimenta facilmente como uma mosca pelo espaço interno do automóvel, ali temos um ataque terrorista ao carro, tiros, sangue e bombas são jogadas contra os personagens enclausurados na frágil viatura; o outro plano, em um cenário de guerra e tiroteios, aproximando o espectador da realidade, seguimos o protagonista Théo se escondendo nos escombros dos prédios tentando encontrar Kee. A cena é longa e a câmera vai ficando cada vez mais suja de poeira, terra e sangue.

O cenário pavoroso que o longa nos insere, se contradiz com nosso protagonista que está acostumado e acomodado com a destruição do planeta, a explicação para tal comportamento vem à tona posteriormente. A justificativa do ambiente assustador que vive a humanidade, além da falta de crianças, é feita pela referência da capa do disco Animals do grupo Pink Floyd; na mansão do primo de Théo, homem influente e curador de obras de arte da humanidade, um balão em formato de porco, idêntico ao da capa da banda britânica, sobrevoa as chaminés. Baseado no livro A Revolução dos Bichos de George Orwell, o disco cita a polícia, os políticos e a população cada um com características de determinado animal, revelando um retrato da ambição humana e o ciclo negro e corrompido que o homem vem passando perante a estória da sociedade. Curiosamente o porco voador está do lado oposto da pintura Guernica, a qual Pablo Picasso retrata pessoas, animais e edifícios apavorados pelo intenso bombardeio da força alemã em Guernica, na Segunda Guerra Mundial. Ou seja, a arte do passado representando o futuro.


Além da música e da pintura, Cidadão Kane também é homenageado. Em certa cena Théo e a possível parteira de Kee, a observam brincando em um balanço do lado de fora, através de uma janela, enquanto discutem o futuro da moça e do bebê em seu ventre. Kee parece tranqüila e disposta a permanecer onde está; a cena lembra quando Cidadão Kane brinca na neve com seu trenó Rosebud, o momento de sua maior felicidade, enquanto seus pais o observam pela janela e decidem seu destino.

Em um futuro onde todos aguardam um milagroso nascimento, Cuarón não podia deixar de fora as passagens bíblicas. A anunciação para o espectador, do primeiro bebê em 18 anos, é feita em um estábulo, rodeado de palha e vacas. O personagem principal é transformado em nosso Messias, nota-se que todos os animais de estimação se apegam a ele, como um amigo da natureza ou do bem. Sem esperança Théo e Kee procuram um navio chamado Amanhã, uma espécie de Arca de Noé que os levará para uma ilha onde existe o Projeto Humano, uma espécie de terra sagrada, onde existe a possibilidade do pródigo bebê crescer em paz.

“Filhos da Esperança” é uma obra pessoal e bastante técnica que se sobressai perante uma estória previsível e pouco original. Mas possui seu mérito pela forma como foi abordada, aproximando o expectador do ambiente apocalíptico seja pela música, pela pintura, pela história do cinema ou pela cultura cristã.

Gustavo Halfen

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Cores


Direção: Francisco Garcia
País: Brasil
Ano: 2013





Em seu primeiro longa metragem, o diretor Francisco Garcia homenageia as gerações nascidas nos anos 1980; jovens que acompanharam a chegada da globalização e da internet em suas vidas, porém não abandonaram a televisão. Embora exista a facilidade de acesso às diversas atividades, o comodismo se sobressai nesta geração, que não quer se assumir como deprimida, afogando suas angústias em uma lata de Coca Cola. “Cores” não os retrata na forma de uma crítica social, mas sim em uma compilação poética e bela.

Luca (Pedro di Pietro), Luiz (Acauã Sol) e Luara (Simone Iliesco) são amigos, talvez não pela afinidade de gostos, mas por um comodismo em comum. Luca, mora com a avó e tem um estúdio de tatuagem pouco ativo. Luiz trabalha em uma farmácia, entretanto sobrevive com a venda ilegal de “tarjas pretas”. Luara é vendedora em uma loja de aquários, tem uma imensa vontade de viajar, mas imersa em seu aquário mundo, todos giram, ela não.


Referenciando a obra cinematográfica de Jim Jarmusch, o principal elemento de “Cores” é o tédio; como pano de fundo temos a cinzenta São Paulo, aviões decolam e pousam na capital, entretanto a vida do trio, retratada metaforicamente na forma da tartaruga de estimação de Luca, é devagar e preguiçosa. A câmera de Garcia segue a mesma preguiça, grande parte do filme ela fica estática, fotografando belos planos em PB, recheados de cultura pop nas entrelinhas, num excelente trabalho do diretor de fotografia Alziro Barbosa. 


Frequentemente o cinema nacional enfatiza o submundo de forma crua e suja, em tons sombrios, “Cores” vêm na contramão desta tendência. O cuidado com a fotografia embeleza a decadência, além de poetizá-la, dando a sensação não de um julgamento, mas sim de uma homenagem à geração que nasceu no pós punk brasileiro e ao tédio neo existencialista que se apossa da juventude.

Gustavo Halfen




segunda-feira, 6 de maio de 2013

Soldados Jeannette (Soldate Jeannette)



Especial: Competição oficial do 
3º Festival Internacional de Balneário Camboriú



Soldados Jeannette (Soldate Jeannette)
Direção: Daniel Hoesl
País: Áustria
Ano: 2013






Eleito o melhor filme do 3º Festival Internacional de Cinema de Balneário Camboriú (CineramaBC), o filme austríaco Soldados Jeannette traz cenas de contemplação fotográfica através da companhia da anti heroína e intocável Fanni.

Fanni é uma mulher intangível que passa seu tempo gastando o dinheiro de uma herança familiar em roupas e aulas de karatê. Dotada de muita fineza e educação, Fanni é solitária, mas parece não se importa com isso. Depois de três anos sem pagar o aluguel e vários avisos “amigáveis” de despejo, as fechaduras do seu apartamento foram trocadas; automaticamente e sem muita preocupação, Fanni dá meia volta e parte para um novo destino: queima todo seu dinheiro e inicia uma caminhada em direção a floresta.



A música eletrônica, o excesso de cores e as lojas da cidade grande preparam o espectador para uma narrativa metropolitana sobre uma mulher que pouco liga para as leis do sistema. Procurada pela polícia, nossa protagonista vai para o campo e, de supetão nos deparamos com a morte de um boi e o seu sangue espirrando na tela. A partir daí, toda a linguagem da obra sofre mudança, e o espectador de sente perdido, tornando-se ativo na estória. Com uma estética agora mais documentada, temos Fanni alimentando porcos e varrendo esterco, a trilha abandona o eletrônico pelo folk, e as cores rosa e vermelho, agora são verde e amarelo acinzentados. A anti heroína continua gélida, mas parece ter passado por um processo de transformação; sua rápida adaptação à nova vida, não necessariamente surpreende, pois tudo e nada é possível em Soldados Jeannette. As vidas no campo e na cidade estão interligadas, porém parece não existir nenhuma relação entre elas e nada atinge Fanni. 



Como um soldado ou um camaleão, a personagem se adapta aos ambientes como se nunca os tivesse abandonado e ao sentir-se ameaçada, ela avidamente junta seus poucos pertences e parte para um novo recomeço.

  
Gustavo Halfen