sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Elysium

Direção: Neill Blomkamp
País: EUA
Ano: 2013 




Já fazem quatro anos desde que um diretor sul africano, desconhecido, apareceu em parceria com Pater Jackson, trazendo um filme sobre alienígenas parecidos com insetos humanóides, que tomaram conta de Joanesburgo, na África do Sul. O diretor chamava-se Neill Blomkamp e o filme, Distrito 9, que trouxe uma linguagem mais documental em um filme sobre preconceito social, racismo, especismo e indústria armamentista. Por todo esse tempo a ansiedade por um novo trabalho, ou até uma continuação de “Distrito...”, aumentava; e este ano saiu Elysium.

Elysium se passa em 2154, em um planeta Terra devastado e coberto de poluição, onde somente a parte precária da população vive lá. Os mais afortunados moram em uma estação espacial chamada Elysium, próximo ao planeta, onde respiram um ar puro e possuem todo tipo de conforto, incluindo alta tecnologia medicinal. Max (Matt Damon) está doente e precisa chegar a Elysium para curar-se. Porém o transporte até lá é clandestino, e comandado por um homem poderoso no submundo terráqueo, Spider (Wagner Moura), que pede algo de grande valor em troca da passagem “espacial”.


A ideia de Elysium é fantástica! A estação espacial é linda, e seu formato circular referencia a estação espacial de “2001: Uma odisséia no espaço” (Stanley Kubrick, 1968). A separação de classes sociais é clara, e não deixa dúvidas todas as críticas sociais presentes no longa. A polícia, robótica e fria, não perdoa deslizes. A crítica armamentista é tão presente quanto em seu primeiro filme, que é referenciado nas pequenas naves usadas na Terra; as trocas de favores entre governo e indústria são constantes. Neil Blomkamp optou por usar um elenco bem global: Matt Damon e Judie Foster, que são estadunidenses, Wagner Moura e Alice Braga, brasileiros e Sharlto Copley, o personagem principal de Distrito 9, que aqui está irreconhecível, é sul africano. E, não foi à toa esta opção, Elysium explora um ambiente global, onde toda a população mundial está unida contra a elite.

O segundo filme do sul africano, tem muito o que falar, mas pouco tempo para tal. Seus 109 minutos de duração não dão conta do recado, embora possua um elenco brilhante, os personagens são rasos e pouco desenvolvidos. Spider, o papel interpretado por W. Moura, é um personagem interessante e complexo, que merecia ser melhor explorado; isso vale também para todo o grande elenco. Seu desfecho não surpreende, e a perda de um dos protagonistas, acompanhado pela trilha sonora melódica, transforma o longa em um novelão.
As comparações de Elysium com seu antecessor, embora presentes, são desnecessárias; até porque é preciso mais que uma grande ideia e elenco para repetir o grande feito que foi seu primogênito, Distrito 9.

Hoje nos cinemas!

Gustavo Halfen

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Tanta Água

Direção: Ana Guevara, Leticia Jorge
País: Uruguai, México, Holanda
Ano: 2013




It is time for stormy weather”. A letra da música “Stormy Weather” interpretada pelo grupo The Pixies, presente na trilha sonora do filme “Tanta Água”, nos remete a uma época de “tempo difíceis”, ou simplesmente época de tempestades. “Tanta Água”, primeiro longa metragem escrito e dirigido por Ana Guevara e Leticia Jorge, nos traz esta mesma indagação.

Na trama, Alberto (Néstor Guzzini), pai divorciado, leva seus dois filhos Lucía (Malú Chouza) e Federico (Joaquín Castiglioni) de Montevidéu, para passarem as férias nas termas de Arapey, no Uruguai. Porém, as fortes chuvas não dão trégua, forçando o trio a ficar trancafiado no quarto de hotel, onde não há televisão, nem computador para fugirem de sua tediosa realidade. Assim, a tensão entre o pai e a filha, que está no ápice da adolescência, vai aumentando.

”Tanta Água” é uma anedota sobre a relação de um pai alheio à adolescência de sua filha, acontecimentos comuns para as famílias de classe média, são mostradas em detalhes por um olhar em terceira pessoa. Vemos o conflito de interesses de um homem que quer passar mais tempo com seus filhos, mas não encontra alternativa para tal. Enquanto que Lucía, quer aproveitar este tempo para descobrir os prazeres da vida adulta. Logo, a manipulação que a menina faz com o pai fica evidente, em troca de alguns pequenos benefícios, que no olhar do espectador soa banal, porém para os protagonistas, ou melhor dizendo, para o pai, encontrar um cigarro na bolsa de sua filha de 14 anos é algo de tamanha importância.


A chuva constante que embeleza o vidro da janela do quarto de hotel da família, também traz consigo a tensão e o vazio entre os protagonistas. Pequenos detalhes como tomates com casca, cigarros e comidas em potes de plástico vão desenvolvendo os personagens nesta história de humor e drama familiar.

A forma como o drama adolescente é exposto no longa metragem uruguaio é tão genuína, que fica difícil compará-lo a outros filmes do gênero. O último capítulo da trilogia romântica de Richard Linklater, Before Midnight, lançado há pouco tempo no Brasil, em certo momento a personagem principal cita que “os verões adolescentes não tornam-se inesquecíveis pela presença dos pais, mas sim, pelo que os jovens fazem na ausência destes”. Esta pequena ideia, de uma obra sem nenhuma ligação direta com “Tanta Água”, deixa transparecer a essência do trabalho de Ana Guevara e Leticia Jorge.

“Tanta Água”, eleito o melhor filme pela crítica especializada no Festival Internacional de Cinema de Berlim, estreia nesta sexta feira no cinema do CIC em Florianópolis.

Gustavo Halfen

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

This is England

Direção: Shane Meadows
País: Reino Unido
Ano: 2006




Ao introduzir os créditos de This is England, nos deparamos com uma Inglaterra tomada pela depressão da Crise do Petroleo de 1979, o descontentamento da população devido a Guerra das Malvinas e o domínio conservador da “Dama de Ferro”, Margareth Thatcher; tudo isso ao som de “54-46 Was My Number” do grupo de skinhead reggae Toots and The Maytals. O Skinhead Reggae também conhecido como Early Reggae foi bastante difundido na Inglaterra no final do anos 1960, principalmente pela classe operária e pelos mods e seus “descendentes, os skinheads. Chamados desta forma devido ao corte de cabelo (raspado), uso de suspensórios e coturnos, os skinheads nada tinham a ver com posição política ou questões raciais; muito pelo contrário, eram apaixonados pelo reggae jamaicano.

O ano é 1983, quando Shaun (Thomas Turgoose), um garoto de 12 anos que perdeu seu pai na Guerra das Malvinas, levanta para ir para a escola, veste suas calças de um número maior e parte. Sofrendo bullying, Shaun encontra conforto ao conhecer um grupo de Skinheads liderados por Woody (Joseph Gilgun), que o acolhem e o levam para caçar, beber e ouvir reggae. O garoto, que agora tem cabelo raspado e coturnos, sente-se pela primeira vez em sua vida parte de um grupo. Não demora para um antigo amigo do bando, que estava preso, retornar. Combo (Stephen Graham) surge com ideais mais politizados para o grupo, discursa sobre o descontentamento da povo inglês e culpa o desemprego da população aos imigrantes indianos, negros e todos os outros que vieram tentar a vida no Reino Unido. Shaun, que não passa de uma criança, passa a conhecer um novo universo, que não deixa de ser uma das diversas vertentes da cultura skinhead.



É notável, mesmo que de forma sutil, que o diretor Shane Meadows nos introduz na cultura da primeira geração dos skinheads, os remanescentes da cultura mod, e sobreviventes do “spirit of 69”, de certa forma em extinção nos anos 1980 em que se passa o filme. Woody e seu grupo, que aglutina também imigrantes jamaicanos, gostam de beber e perambular pela cidade, quando vão na casa de alguém, é perceptível os quadros na parede da produtora Trojan, uma das maiores difusoras do skinhead reggae na Inglaterra e no mundo.

A chegada de Combo, nos leva a segunda geração de skinheads; possuem posição política anarquista, e são xenofóbicos. Se divertem assaltando lojas de imigrantes, bem como agredindo-os física e psicologicamente. Shaun, a princípio não questiona os ideais do novo grupo, porém com o tempo, percebemos que não são só questões político sociais que estão em jogo. Este novo grupo de baderneiros dos anos 1980 são reflexo de toda uma política de guerra e crise econômica que a Inglaterra vinha passando durantes as últimas décadas.

This is England é um filme chocante, que aborda amor, música, comportamento e a política na Inglaterra oitentista. Expõe a cultura skinhead pré racista e suas influências musicais, compara as divergências entre as diferentes gangues da época. Além de possuir um visual white trash, lembrando muito filmes da época.

Gustavo Halfen

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Dentro da Casa (Dans la Maison)

Direção: François Ozon
País: França
Ano: 2012





François Ozon sempre mistura gêneros em seus filmes; se em Ricky (2009) ele brinca com a fantasia e o surrealismo para expor as teorias de Freud, em relação a super proteção da mãe, em “Dentro da Casa”, coloca o espectador como personagem e criador da estória, e personagens como espectadores, brincando com a psicanálise nas projeções criadas por um indivíduo que se espelha e/ou rapassa a outro.

Na trama, Germain (Fabrice Luchini), professor de redação de uma escola pública, apoia o aluno Claude Garcia (Ernst Umhauer) a desenvolver sua escrita. Este por sua vez manipula o professor escrevendo redações que contam seus dias vividos na casa de um colega de aula. Claude mistura fantasia e realidade, confundindo seu mentor, e detém um modo irônico de escrever, expondo seus desejos internos e suas atrações sexuais, que vão acabar interferindo na vida pessoal de Germain.



Suspense, melodrama e sátira ao cotidiano da vida da classe média são as bases de sustentação do longa e, nós, espectadores, vemos o roteiro sendo escrito e construído com a interferência de ambos os personagens. Claude é observador e percebe detalhes repugnantes da vida cotidiana, e junto a isso seus sentimentos adolescentes vão se aflorando e a beleza das “donas de casa” da quais ele frequenta, vão inebriando seu olhar atento, Kristin Scott Thomas e Emmanuelle Seigner tornam-se sex symbols através das lentes de Ozon. As frustrações do professor vem à tona, e ele projeta-se em Claude, que sem pudores vai instigando e construindo sua estória, que por vezes sofre interferências de todos os personagens.


Ozon embaralha a percepção do espectador curioso, deixa-nos interessados pela vida alheia, e desamparados com a nossa (ou a de Germain) que entra em colapso, lembrando o clássico de Hitchcock, Janela Indiscreta. E por falar em clássico, impossível não notar a referência da “Trilogia do Apartamento” de Polanski, onde toda (ou quase toda) trama desenvolve-se “dentro da casa”.

Gustavo Halfen

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Killer Joe – Matador de Aluguel (Killer Joe)

Direção: Willian Friedkin
País: EUA
Ano: 2011





A princípio, ao olhar para a capa e o título de Killer Joe, nos remete obviamente a mais um filme de  ação hollywoodiano, a diferença é quem está da direção: Willian Friedkin, o famoso diretor de um dos filmes mais polêmicos do cinema, O Exorcista (The Exorcist, 1973). Todas as obras de Friedkin vão ao limite do caos e, em Killer Joe não é diferente. Na capa temos um frango empanado no formato do estado do Texas, e você, caro leitor, não tem ideia de onde estes símbolos/objetos irão se encontrar.

Na trama temos Chris (Emile Hirsch) e seu pai Ansel (Thomas Haden Church) contratando o matador de aluguel Joe Cooper (Matthew McConaughey) para matar sua própria mãe e dividirem seu seguro de vida. Porém, como garantia, Joe exige uma noite com a irmã de Chris, a doce e pura Dottie (Juno Temple). A partir disto temos uma rede de intrigas e farsas que levarão o ser humano aos seus maiores pesadelos.



Willian Friedkin brinca com os tabus e debocha do estilo de vida estadunidense. Seu filme foge do cenário comercial, a violência extrema é tão exagerada que caminha entre a comédia e o trash. A desconstrução do modo de vida “americano” é representado pelo próprio frango da capa; enquanto que Dottie, a garotinha de 12 anos nos remete a pureza esperançosa que temos ainda no homem, porém neste povo marginalizado que mata a mãe e vende a irmã, fica difícil achar um herói, e confiar em alguém é enganar a si próprio.

Gustavo Halfen

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Only God Forgives

Direção: Nicolas Winding Refn
País: França, Tailandia, EUA
Ano: 2013


Depois do sucesso de Drive, primeira parceria do diretor Nicolas Refn com o ator Ryan Gosling, que rendeu o título de melhor diretor de Cannes em 2011 para Refn, o público e a crítica ficaram esperançosos com o retorno da dupla Refn/Gosling em um novo projeto. Porém, o que não se cogitava era que o diretor dinamarquês, após dirigir o pesado e belo Valhalla Rising em 2009 (traduzido no Brasil como O Guerreiro Silencioso), já tinha quase todas as cenas de Only God Forgives na cabeça e, foi convidado pelo ator Ryan Gosling para dirigir um filme nos EUA de um roteiro e estória de terceiros. Ele aceitou e inseriu parte das referências que usaria em “Only God...” no aclamado Drive. A partir desta informação fica mais claro dizer que Drive faz alusão a “Only God...” e não o contrário, embora soe estranho.

Only God Forgives, assim como Valhalla Rising, é uma obra bastante pessoal do diretor; que traz à tona sua crise existencial: medos, crenças, revoltas e redenções, que antes de ter apelo comercial, vêm com o objetivo principal de autocura. Fazendo-se assim óbvia a dedicatória do filme a Alejandro Jodorowsky, diretor de filmes surreais que buscavam uma auto cura e redenção de pesadelos próprios e da humanidade em suas obras.

Na trama, os irmãos Billy (Tom Burke) e Julian (Ryan Gosling), comandam um clube de boxe na Tailândia que serve de fachada para o tráfico de drogas. Após estuprar e matar uma garota, Billy é assassinado por Chang (Vithaya Pansringarm), ex policial e justiceiro de Bangkok. Logo a mãe dos irmãos (Kristin Scott Thomas) aparece em cena e exige de Julian, vingança.


É impossível não notar a fotografia neon do longa, e a utilização intensa de vermelho que exclui quase todas as outras cores do espectro; dando uma visão infernal e onírica de um purgatório, que funciona bem, mergulhando o espectador neste mundo, mas  dificulta a narrativa.

O agradecimento nos créditos a Gaspar Noé e David Lynch, também tornam explícitas as referências utilizadas pelo diretor. A violência extrema e o clima fantasioso do filme confundem o espectador entre o que é sonho e realidade. Vemos Julian tendo devaneios e confrontando sua natureza versus seus princípios, através da relação edipiana e conturbada que possui com sua mãe. Temos também a desconstrução mesclada com a homenagem do confronto entre o bandido e o mocinho em personagens bastante estilizados e caricatos; a espada como arma de luta e a honra em duelos faroeste são referências evidenciadas e intercaladas com a máfia da pollícia de uma Bangkok colorida e neon.

Only God Forgives é uma experiência única, mas que irrita a crítica mais convencional; o filme irritou grande parte da platéia que o assistiu em Cannes. Porém seu humor etéreo garante que nem tudo ali é sadismo. O oitavo filme do diretor, que tem estreia em agosto nos cinemas, se aproxima mais de Valhalla Rising do que Drive, pois aqui o herói está a mercê de um ser superior, que não lhe dá esperança de redenção.


Gustavo Halfen

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Homem de Aço (Man of Steel)

Direção: Zack Snyder
País: EUA, Canadá
Ano: 2013





Particularmente sou fã dos trabalhos de Zack Snyder, suas adaptações de quadrinhos sempre foram ousadas e diferentes da maioria dos filmes de herói clichês de Hollywood. Em 300 (2006), Snyder cria um universo a parte em um filme quase todo gravado em chroma key, assim como a obra prima Watchmen (2009), onde ele abusa do slow motion e utiliza diferentes planos para contar a estória dos heróis e anti heróis dos quadrinhos de Alan Moore, misturando filme arte com entretenimento e agradando os fãs do gênero. Este ano, lança seu sexto filme, em parceria com Christopher Nolan no roteiro e na produção, Homem de Aço (Man of Steel), uma adaptação dos quadrinhos do famoso Super Homem, um herói popular e que vem com um histórico de péssimas adaptações cinematográficas das HQs.

Para adaptar a estória do Homem de Aço, Christopher Nolan, utilizou-se da fórmula usada na trilogia Batman, dirigida por ele mesmo, onde ele tenta adequar a HQ para os dias atuais e aproximando mais o universo quadrinista com a realidade, dando assim características mais humanas aos personagens.



Na trama, o planeta Krypton está com seus dias contados e Jor-El (Russel Crowe), um conselheiro do alto escalão governamental envia seu filho recém nascido, Kal El, para o planeta Terra. Enquanto isso o general Zod dedica-se aplicar um golpe de Estado com o intuito de salvar de alguma forma sua espécie e, tenta sem sucesso impedir que o filho de Jor El viage ao novo planeta. Trinta e três anos se passam e através de lembranças de Kal El, agora chamado de Clark Kent (Henry Cavill), sua estória na Terra é contada, dando ênfase ao seu aprendizado com seu pai terráqueo, Jonathan Kent (Kevin Costner) para controlar seus poderes. Por fim,  chega o momento em que o general Zod, que sobreviveu a explosão de Krypton, vêm à Terra para dominá-la e matar Clark Kent; este terá então que assumir sua verdadeira identidade perante a humanidade, e decidir pela aliança aos de sua espécie ou a salvação daqueles que lhe abrigaram até o momento.

Talvez os fãs mais fiéis do quadrinho do Homem de Aço se decepcionem com as mudanças na estória do herói, que possui uma mitologia conhecida e bem definida, mas com certeza tais mudanças trouxeram uma maior aproximação aos dias atuais, a origem do uniforme, o “S” no peito, e até mesmo algo que pouco se explorava na estória: o impacto na humanidade de um alienígena viver entre as pessoas; essa foi umas características diferenciais do filme. A intenção do pai de Clark em preservar seu filho tentando esconder seu poderes, devido ao medo de a humanidade não aceitá-lo, traz consequências severas na vida do futuro Super Homem, que passa a refletir em até que ponto vale a pena preservar sua individualidade, no entanto, está ideia poderia ter sido mais explorada. Aliás, tudo em Homem de Aço é superficial. É notável a dificuldade de se contar uma estória onde existe muita informação, em contraponto com a duração de um longa metragem. O filme foi feito para os fãs do cinema hollywoodiano, recheado de explosões e efeitos que constatam o poder e a força dos kryptonianos. Impossível não notar as referências de Matrix nas lutas do Super Homem e até mesmo no modo de vida de Krypton apocalíptica.

Foi ousadia de Snyder aceitar dirigir uma adaptação cinematográfica de uma HQ tão difícil de se adequar a sétima arte. Entretanto, “romancezinhos” à parte, comparações com Jesus Cristo, nacionalismo estadunidense exacerbado, apologia à guerra e as armas, tornam o filme infantil e pobre de conteúdo, como quase tudo hoje produzido em Hollywood.



Nos cinemas!

Gustavo Halfen

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Laurence Anyways

Direção: Xavier Dolan
País: Canadá, França
Ano: 2012




Em seu terceiro filme, Xavier Dolan, de 23 anos, já desponta sua carreira como diretor, em um filme que merece análise tanto pela estética como pela estória.

Laurence (Melvil Poupaud) é um homem que está quase chegando aos 40 anos de idade, vive um relacionamento intenso com sua namorada Fred (Suzanne Clémment), neste momento determina que não existe mais possibilidade de ele viver como homem. Assim Laurence decide vagarosamente transformar-se em uma mulher, não por ser homossexual, mas sim por uma questão de gosto, pois sua atração pelo sexo oposto não muda, mas isso causa um tremendo impacto no seu relacionamento amoroso, familiar e profissional.

Ao início do longa, vemos cenas através dos olhos do protagonista sendo observado de cima à baixo pelas pessoas na rua, nos dando uma breve sensação da abordagem do filme de Xavier Dolan. A homossexualidade é uma temática carimbada nos filmes do diretor, homossexual assumido, ele trabalhou este tema em “Eu matei minha mãe” (J'ai tué ma mère, 2009), que trata de um adolescente homossexual e sua conturbada relação com a mãe; e Amores Imaginários (Les amours imaginaires, 2010), onde um casal de amigos se apaixona por um mesmo garoto; e agora, em um roteiro desenvolvido pelo mesmo, ele entra em um campo que está sendo inicialmente discutido na sociedade: a transexualidade, mudança de sexo por efeito hormonal e cirúrgico; além do choque do individuo para com a sociedade. É interessante observar a relação do casal, no filme, onde a questão sexual é discutida, chegando à beira do colapso entre ambos, pois para Fred, não é difícil aceitar os ideais de Laurence, mas sim o fato de viver e se relacionar sexualmente com um trans, ou melhor, uma mulher.



Laurence Anyways possui duas horas e quarenta minutos de duração, e embora soe cansativo, nada ali desmerecia estar na tela, pois além da estrutura dramática bem montada, a questão estética é extremamente importante no filme. O uso de cores fortes e femininas fazem parte da temática, mas é impossível não notar os takes do longa, e o uso abusivo de figuração caricata e gótica, penteados coloridos, roupas douradas, perucas extravagantes e homens que se parecem com mulheres e vice-versa, contrastando com o visual nada exagerado do protagonista que no fim parece ser o mais normal entre os personagens. Isso, sem contar da dramatização visual apoiada pela trilha sonora ora clássica, ora pop, e o uso exagerado de câmera lenta. Relevante observar também a transformação nos penteados da linda Suzanne Clémment que com o passar da década (o filme inicia-se em 1989 até os anos 2000) seu visual torna-se cada vez mais notável, mérito de Dolan, que além de assinar o roteiro e direção, também faz o figurino.

Por fim, além de ser um filme como um tema social e um tanto político, Laurence Anyways é importante pela sua estética surreal, criando um universo à parte, e desconstruindo o visual oitentista e noventista conhecido pelo publico pop. Observar a caracterização do cenário e do figurino do filme, faz-se essencial e fetichioso, e um aprendizado para àqueles que simpatizam com essa nova forma de interagir com o mundo. Um mundo onde as transformações estéticas estão cada vez mais impactando os mais conservadores, que já nem conseguem discernir gêneros.



Gustavo Halfen

sábado, 15 de junho de 2013

Boa sorte, meu amor

Especial: Competição Internacional de longa metragem do
Festival Olhar de Cinema de Curitiba


Direção: Daniel Aragão
País: Brasil
Ano:2012



Não é coincidência que “Boa sorte, meu amor” tenha passado em sua segunda sessão no Festival Internacional de Curitiba; cidade fria e solitária, exatamente no dia 12 de junho, dia dos namorados. Classificado pelo diretor como um “anti romance” autobiográfico, “Boa sorte...” retrata um improvável romance buscado pelo protagonista Dirceu, como desculpa para uma busca de autoconhecimento, revelando uma breve história dos moradores de Recife e sua relação com o passado latifundiário no sertão nordestino.

Dirceu, descendente de uma família latifundiária do sertão, tem uma vida estável na capital pernambucana, até conhecer Maria, uma artista questionadora de sua realidade atual. A diferença entre os dois fará Dirceu perseguir novos horizontes em uma saga por um sertão surreal e onírico, onde a realidade e a ficção se confundem.

Em seu primeiro longa metragem, Daniel Aragão homenageia seu leque de referências, em um filme fetichioso, dando ao espectador um deleite aos olhos apurados, e ao mesmo tempo instigando os ouvidos em uma trilha sonora que caminha entre o blues e o clássico, com sinfonias de metais com acordes dissonantes e duvidosos; além de possuir um som diegético peculiar: as falas possuem um volume pouco intenso, se contrapondo com a trilha, que é extremamente alta.


As referências de cinema e música chegam a ser exageradas; temos a vida noturna dos anos 1960: seios expostos e lábios carnudos em closes fetichistas, misturados a chicotes e zooms rápidos lembrando clássicos de faroeste. Experimentamos a sensação de um preto e branco bastante contrastante, como nos filmes de Fellini, a luz expressionista dá uma qualidade irracional e onírica; meninos mergulham em um rio aparentemente sem sentido, o silêncio em algumas cenas parecem desconstruir a narrativa, confundindo o espectador, lembrando até mesmo os filmes surrealistas de Buñuel.

Gustavo Halfen

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Menino do Cinco / Filme Para Poeta Cego

Especial: Competição Internacional de Curta metragem do
Festival Olhar de Cinema de Curitiba


Os curtas brasileiros estão em destaque no Festival Internacional de Cinema de Curitiba. “Menino do Cinco” e “Filme Para Poeta Cego” criaram uma sensação de desconforto na última sessão de curtas desta terça feira (11 de junho) do evento.


Menino do Cinco
Direção: Marcelo Matos de Oliveira, Wallace Nogueira
País: Brasil
Ano: 2012



“Menino do Cinco”, curta de Marcelo Matos de Oliveira e Wallace Nogueira, inicia-se como uma jornada infantil de um menino e seu animal de estimação. Mas logo percebemos uma análise comparativa entre crianças de vivem nas ruas, acostumadas com a interação das grandes metrópoles, e meninos que moram em seus apartamentos de classe média alta, nas grandes cidades; mais precisamente, como um dos diretores citou em entrevista: “meninos de rua e meninos sem rua”. A possessão por objetos materiais e acondicionamento da solidão para aqueles que vivem trancafiados, destaca-se no filme, que embora tenha cenas que seriam de apelo àqueles que gostam de crianças e filhotes de cães, aqui, a possibilidade de surpreender-se com um trágico acontecimento de um dos supostos vilões da jornada infantil, que não cabe aqui, caro leitor, revelar seu desfecho final, traz uma reflexão do comportamento das diferentes classes sociais neste Brasil continental.


Filme Para Poeta Cego
Direção: Gustavo Vinagre
País: Brasil
Ano: 2012




Talvez o filme mais ousado do festival, “Filme Para Poeta Cego”, causou constrangimento na sala de cinema do Shopping Crystal em Curitiba. Baseado na obra artística do poeta cego, sadomasoquista e pedólatra Glauco Mattoso, o diretor Gustavo Vinagre cria uma obra que, como seu sobrenome, pode soar azeda para a maioria das pessoas. Na trama temos um falso documentário, onde Glauco contrata um ator para satisfazer seus fetiches. Deglutir fezes, lamber solas de sapato e se queimar com cera de vela quente, são alguns dos prazeres tortuosos os quais nosso triste ator implora para acabar. Na sala de cinema escutava-se risadas macabras e forçadas, além de gemidos e movimentos dos espectadores, que não conseguiam encaixar uma posição confortável nas poltronas do cinema. Não que as cadeiras do Cinema Itaú sejam desconfortáveis, nem que o curta metragem tenha cenas explícitas; a sacada de Gustavo Vinagre foi apenas sugerir tais acontecimentos na tela, deixando livre a interpretação do público que, sem exceções, mostrou-se de mente suja e perversa, dando orgulho ao meu chará, diretor de sobrenome de tempero forte. “Filme Para Poeta Cego” é atrevido e audacioso, quebra paradigmas e conceitos sociais, sem julgar. Caminha na contramão da maioria dos filmes do festival que, sem medo de ser vaiado, dá um tapa na cara da sociedade. E, não poderia ser diferente, pois a poesia de Mattoso cita: “Não creia em tudo aquilo que está lendo, Duvide até da própria assinatura (...) Se ser um masoquista é que ele jura, No máximo masturba-se escrevendo (...)”. 

Gustavo Halfen